Do outro lado do telefone, o médico garantia que era mesmo um
conhecido de Joe Palazola, a quem havia sido dada alta recentemente do Hospital
Peter Beng Brigham em Boston, após um transplante renal bem sucedido.
De que chamada se tratava? Palazola - dizia a voz - tinha
acabado de ser preso por suspeita de assalto a um banco. Um agente da polícia
tinha visto Joe no seu carro com uma máscara de dentista e um chapéu de coco
puxado para baixo sobre os olhos e forçou-o a parar na berma da estrada para
que o acompanhasse à esquadra. Incrédulo, o médico retorquiu que Joe Palazola
se tratava de um doente a realizar uma forte medicação imunosupressora para
prevenir a rejeição do seu novo órgão. Como tal, o uso da máscara fora do
hospital não era mais que uma precaução para potenciais infecções. Vivia-se
então o ano de 1964…
Não obstante, a medicação imunosupressora que se usava
inicialmente era demasiado inespecífica. Além de dificultar a rejeição,
diminuía todas as defesas do organismo e, como tal, o tempo de sobrevivência
era curto. O passo seguinte para o sucesso da transplantação foi, pois, a descoberta
de imunosupressores seletivos do fenómeno de rejeição. Foi o caso da
Ciclosporina, descoberta em 1972 por Jean-François Borel e apenas aprovada em
1983, que melhorou, de forma notável, o prognóstico e a qualidade de vida dos
doentes submetidos a este tipo de intervenção.
Nos dias de hoje, a transplantação, associada à devida
medicação, é um ato cirúrgico com elevada taxa de sucesso e, embora envolvido
em diversos dilemas éticos e que apenas deve ser aplicado com critérios
psicológicos bem definidos, até o transplante da face humana já é uma realidade
clínica. Em Março do ano passado correu mundo a notícia do mais extenso
transplante da face jamais realizado. Na Universidade de Maryland, nos Estados
Unidos, Richard Norris teve direito a uma nova face, que incluiu a mandíbula,
os dentes e a língua. Sempre me interroguei sobre aquela dentição
transplantada. Terá algum médico dentista feito parte dessa equipa de
transplantação? Será que a presença de eventuais infecções de origem
oro-dento-facial, antes do transplante, terão sido excluídas e, depois do
transplante, controladas? Ou será que tudo tem evoluído menos a máscara de Joe
Palazola?
Crónica publicada na revista Dentistry. Edição Outubro 2013
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