No
princípio tudo era Deus, luz e perfeição, mas os dentes de Eva e Adão, que cometeram
o pecado de trincar aquele fruto proibido e tentador, trouxeram consigo a
expulsão do paraíso e o início de uma vida na Terra onde passaria a existir dor
e o sofrimento. Desde então que as “dores de dentes” não mais abandonaram os
humanos e, desde o princípio dos tempos, são inúmeras as histórias e relatos
que, acumuladas geneticamente, ainda hoje tornam inseparáveis as palavras
“dentista” e “medo”.
Mesmo com o auxílio de algumas substâncias opiáceas e de álcool, durante
séculos foram vários os amigos e companheiros que, como forma de abstrair,
tocaram tambores aos ouvidos ou seguraram as pernas e os braços daqueles que
gemiam de dor ao ouvir estilhaçar os seus molares a serem “arrancados” à força .
Finalmente, em 1844, Horace Wells,
um jovem dentista de Hartford, resolveu fazer uma experiência em si mesmo:
inalar óxido nitroso – o “gás hilariante” – e pedir a um colega que lhe extraísse
um dente. Sob efeito do gás, o dente de Wells foi extraído e este não sentiu
qualquer tipo de dor. Contudo, a sua fama não durou mais de um mês. Num tempo
em que os conhecimentos fisiológicos em relação à difusão dos anestésicos eram
manifestamente insuficientes, na demonstração que convocou perante um grupo de
cirurgiões da Harvard, o obeso e alcoolizado que se sujeitou ao teste sentiu
uma enorme dor, fazendo com que o “anestesista” caísse em profundo descrédito,
deixando de trabalhar e, inclusivamente, suicidando-se algum tempo depois.
Todavia, aquele momento representou o
início de uma nova era. Apenas dois anos mais tarde, um outro dentista, William
Thomas Green Morton, que tinha sido colega de Horace Wells no seu consultório, manipulou
éter de uma forma tão convincente, que permitiu ao cirurgião John Collins
Warren a reparação de uma extensa anomalia vascular de forma calma e sem dor,
revolucionando a cirurgia para sempre.
A American Dental Association acabou
por homenagear postumamente Horace Wells, em 1864, como o inventor da anestesia
moderna, sendo que a American Medical Association também reconheceu o seu feito
em 1870. Meritoriamente, existe uma estátua sua no Bushnell Park em Hartford e
foi-lhe erigido um monumento na Place des États-Unis, em Paris, a 27 de Março
de 1910, durante a décima sessão da Federação Dentária Internacional (FDI).
Crónica publicada na revista Dentistry. Edição Julho 2013
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