Esculápio

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Esculápio. Deus da Medicina, filho de Apolo e da mortal Coronis.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Obrigado, Cristiano.


Quem é o melhor jogador de futebol do planeta? Esta é a pergunta que mais tinta tem feito correr nos últimos meses e que se arrisca a bater todos os recordes de páginas escritas e comentários alguma vez proferidos sobre prática desportiva.

Os jogadores do Barcelona dizem Messi, os brasileiros Pelé e os portugueses afirmam que é Cristiano Ronaldo. Não existem dúvidas de que estes três artistas da arte do futebol se tratam de figuras ímpares na história do futebol atual. Contudo, é indiscutível que, nesta fase ainda precoce da carreira do ‘canarinho’, o cetro só poderá ser atribuído, indiscutivelmente, a Messi ou Cristiano Ronaldo, um curioso duelo entre um pequeno "astro" argentino com pouco mais de 1m 60 e uma "supernova" de nacionalidade portuguesa com pouco menos de 1m 90, o que até representa, de certo modo, uma mudança de paradigma nas fisionomias típicas dos atletas deste dois países, sobretudo para quem se lembra ainda de Manuel Bento e Mario Kempes.

Para responder de forma esclarecedora a esta repetitiva pergunta, torna-se necessário, em primeiro lugar, reconhecer que tanto Messi como CR7 são extraordinários atletas e jogadores de futebol. No entanto, torna-se cada vez mais exigível, ao contrário da maior parte das análises tendenciosas, que se faça uma análise fria de qual dos dois jogadores se adapta verdadeiramente melhor às exigências físicas, técnicas, tácticas e de demonstração de resultados do futebol moderno. Por esta expressão entenda-se a importância da componente táctica, a capacidade de aliar força, técnica e velocidade, a conquista de títulos e a inevitável visão mercantilista que o futebol adquiriu, perpetrada essencialmente pela lei Bosman na época 1996/97.

Com base neste lógica, desde 1996, apenas dois futebolistas se destacaram de todos os demais, nomeadamente, o francês Zinedine Zidane e o fenómeno brasileiro Ronaldo Luís Nazário de Lima. Será que é tempo de acrescentar mais um membro a este pódio restrito? 

Seria fácil - e não necessariamente menos correto - fazer uma avaliação das estatísticas e números de golos e assistências e somar prémios e títulos de Messi e Cristiano Ronaldo. No entanto, o futebol é um desporto colectivo e, como tal, a análise sistemática mais correta deve espelhar-se num contexto diferente e um prisma mais ampliado em relação a determinados feitos e características que tornam um jogador mais completo e mais adaptado ao que os novos tempos exigem.

Como mais ninguém, Zizou e ‘Fenómeno’ Ronaldo conquistaram todos os títulos, criando jogadas sensacionais e marcando golos decisivos. De cabeça, de livre direto, com um outro pé. Ora, dispensada a análise da regularidade e da eficácia, tanto de Messi, como de Cristiano Ronaldo, com o pé natural, será mesmo necessário ir confirmar que Messi marcou menos golos com o pé direito do que Cristiano Ronaldo marcou com o pé esquerdo? Sendo que é evidente que o mesmo se aplica, por certo, aos golos de cabeça e de livre direto. 

Mesmo no que diz respeito aos títulos conquistados, os quatro venceram Campeonatos Nacionais e a Liga dos Campeões, com a exceção de R9, que venceu apenas a Taça UEFA e a antiga Taça dos Vencedores das Taças. Contudo, até hoje, títulos com as seleções apenas Zidane e Ronaldo venceram, sendo que – importa lembrar - Cristiano alcançou a final do Euro 2004, as meias-finais do Mundial 2006 e as meias-finais do Euro 2012. Por seu turno, Messi não tem sido de todo, uma peça de destaque na seleção alviceleste e nem sequer atingiu a final da Copa América, jogada em casa, no ano de 2011.

Outro elemento vital para que a resposta a esta difícil pergunta seja séria passa por interpretar as provas a que os atletas se sujeitam, experimentando e conquistando o respeito dos adeptos de diferentes campeonatos. Em Barcelona, Milão ou Madrid, R9 sempre se manteve como um goleador e finalizador nato. Em Turim, Bordéus ou Madrid, todos ficaram à bola que nunca queria sair dos pés de Zidane. Cristiano Ronaldo, em Lisboa, Manchester ou Madrid, foi sempre igual no seu estilo explosivo, desequílibrador e de capacidade de decisão. A Messi, como mostram algumas das suas declarações, vai faltando essa coragem. Importa, talvez, lembrá-lo que até Maradona, que tantos afirmam lhe ter passado todo o esplendor dos seus genes futebolísticos, venceu no México, em Barcelona e em Nápoles.

A propósito, para que a confusão não se instale e os nomes de jogadores não parem de ser pronunciados, aproveito a oportunidade para levantar a questão que também, repetidamente, se tem procurado responder: a de qual o melhor futebolista de sempre? O pecado capital da história é o anacronismo, logo diferentes tempos exigem diferentes interpretações adaptadas às épocas em que se passaram. Há Pelé e Eusébio. Há Franz e há Cruyff. Há Maradona e há Rummenigge. E outros, claro. Mas é um tiro na história fazer comparações entre as gerações.
A nossa geração deve é estar agradecida de ter Messi e Cristiano Ronaldo. Não é possível não elogiar ambos e não retirar prazer em poder discuti-los. Absurdo é o sentimento dicotómico que tem acompanhado os diversos comentadores, adeptos e senadores do futebol. Ou Messi ou Cristiano Ronaldo. Por preferirmos um, não devemos considerar o outro vulgar. É injusto fazê-lo e intelectualmente desonesto não admitir também que as razões que levam suecos, bósnios, valencianos e, surpreendentemente, portugueses a não gostar de Cristiano Ronaldo são de outra ordem que não a sua capacidade futebolística.

Reconheça-se é que, nestes tempos de crise, se todos elevassem o seu trabalho aos níveis de profissionalismo que Cristiano todos os dias emprega, ninguém teria necessidade de manifestar tamanha inveja camuflada por ataques pessoais às suas origens e estilo de vida.

Ainda faltam alguns anos às carreiras de Messi e Cristiano Ronaldo. Deus queira que sem lesões graves e com muitas horas de brilhantes espetáculos para os seus admiradores ou, simplesmente, fãs de futebol que, de olhos postos na televisão, na internet e nos jornais, principescamente, lhes pagam.

Não interessa, de modo algum, recorrer à tipologia de argumentos "protecionistas" de Messi e da UEFA em relação ao Barcelona ou nacionalistas no que diz respeito a Cristiano Ronaldo. Porém, se Messi permanecer sem dar mais provas - aquelas que manifestei e que considero fundamentais no contexto de exigência do futebol moderno e dos seus apreciadores - não passará o escalão de extraordinário jogador, ao lado de Ryan Giggs, que nunca abandonou o Manchester United e, por conseguinte, nunca atingiu o sucesso com a seleção do País de Gales, ou Kaká, que falhou redondamente na sua segunda experiência num clube europeu. 

À semelhança, por diversos motivos, ora de orientação de carreira ou de acomodação aos clubes, mas na mesma linha de pensamento, vejam-se os exemplos de Ronaldinho Gaúcho, Raúl ou Totti. Paolo Maldini é, por certo, um caso diferente, tratando-se de um dos jogadores mais injustiçados do futebol moderno, por nunca ter vencido uma Bola de Ouro. Será por ter sido defesa? Isso é demonstrativo também dos critérios aplicados pelas entidades competentes que a atribuem.

Relativamente a Cristiano Ronaldo, pode conseguir o que Luís Figo esteve tão perto de atingir. Isto é, se vencer todas as competições em que está inserido esta época e, especialmente, levantar, com a braçadeira de capitão, a Taça Jules Rimet, pela conquista do Campeonato do Mundo por Portugal, imortalizar-se-á, juntamente com Zidane e Ronaldo, como um dos três primeiros jogadores-protótipo das primeiras décadas do futebol moderno.

Longe vão os tempos do 1 de Dezembro de 1640 em que nos aliávamos ao Estado da Catalunha, tendo em vista a independência do nosso Reino. Nos dias de hoje, em que esse dia até deixou de ser feriado, o Real Madrid é o clube que mais portugueses contém na sua equipa principal de futebol, mesmo quando comparado com os principais clubes do pequeno rectângulo de homens mais corajosos da Europa, que tão ferozmente tantas vezes lhes ganharam.

É por isso que, mesmo num espaço como este, que é especialmente dedicado à medicina e à ciência, um acontecimento na história desportiva portuguesa como o de ontem não podia ficar indiferente. Até porque é impressionante o alto rendimento desportivo, anos a fio e sem lesões, do número 7 português.

CR7 tem ultrapassado os limites da medicina e da ciência. Nestes tempos difíceis para todos, tem sido o profeta que tem mantido o bom nome de Portugal bem alto nas Índias, no Brasil e nos Reinos de Leão e Castela.

Obrigado, Cristiano. Obrigado por estares aqui.


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