Chaves, carteira e
telemóvel. Apalpo sempre os bolsos das calças em busca dos três antes de sair
de casa em direção ao consultório, onde gosto de chegar pelo menos 10 minutos
antes da primeira hora.
- Já chegou! –
exclama a assistente, às 9h47, lembrando-me que o Sr. Júlio tinha enviado uma sms a dizer que estava 20 minutos
atrasado.
- Bom dia, meu caro.
Então, o que posso fazer por si hoje?
- Olhe, vi uma
reportagem ontem na televisão e venho cá para me tirar o “chumbo” deste dente –
diz o Sr. Júlio à medida que vai abrindo mais a boca e aponta para o único que
ainda tem, do canino para trás, naquele quadrante – Isto liberta mercúrio e
isso faz mal ou lá o que é...
Felizmente, o Sr.
Júlio ainda não sabe que alguns estudos mais recentes, pedidos pela FDA, estão
preocupados com a possibilidade do Bisfenol A poder causar cancro da mama....
- Sabe, Sr. Júlio, o
maior risco de libertação de mercúrio dessa restauração de amálgama de prata é
precisamente aquando da sua remoção, o que pela sua radiografia nem me parece indicado,
pois não tem cárie.
- Ai é?! Pois, isto
realmente já aqui está faz quase 20 anos e nunca me deu qualquer problema.
- Ao invés, o
tártaro que tem acumulado sobre estes dentes aqui da frente na mandíbula –
vou-lhe mostrando com o espelho, ao mesmo tempo que lhe explico a doença
periodontal e pego na ponta destartarizadora – é que não convém nada estar
aqui.
- Sim, também queria
aproveitar para fazer uma “limpeza”. Já não vinha ao dentista há algum tempo.
Foi a minha mulher que me convenceu - diz o Sr. Júlio, por entre a água que não
é levada pelo aspirador, ao mesmo tempo que o seu telemóvel começa a tocar na
bolsinha que traz pendurada no cinto preto.
- Olhe, é ela mesmo.
Dê-me só um segundo, doutor... “Estou! Estás onde? Agora não posso falar, estou
no dentista“– diz, em voz alta, o Sr. Júlio enquanto derrama água e saliva no
guardanapo mal preso – “Depois já ligo. Está tudo bem! Mas olha, a seguir ainda
tenho de ir comprar a prenda, por isso vou chegar um bocadinho atrasado ao
almoço...”
Antes dos
telemóveis, de certeza que toda a gente cumpria mais com as horas combinadas e
não tinha tantas distrações ou soluções para avisar a tempo. Vantagens e
desvantagens dos dias de hoje.
Crónica publicada na revista Dentistry. Edição Junho 2013
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