Esculápio

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Esculápio. Deus da Medicina, filho de Apolo e da mortal Coronis.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Um bocadinho de nada atrasado...


Chaves, carteira e telemóvel. Apalpo sempre os bolsos das calças em busca dos três antes de sair de casa em direção ao consultório, onde gosto de chegar pelo menos 10 minutos antes da primeira hora.

- Já chegou! – exclama a assistente, às 9h47, lembrando-me que o Sr. Júlio tinha enviado uma sms a dizer que estava 20 minutos atrasado.
- Bom dia, meu caro. Então, o que posso fazer por si hoje?
- Olhe, vi uma reportagem ontem na televisão e venho cá para me tirar o “chumbo” deste dente – diz o Sr. Júlio à medida que vai abrindo mais a boca e aponta para o único que ainda tem, do canino para trás, naquele quadrante – Isto liberta mercúrio e isso faz mal ou lá o que é...

Felizmente, o Sr. Júlio ainda não sabe que alguns estudos mais recentes, pedidos pela FDA, estão preocupados com a possibilidade do Bisfenol A poder causar cancro da mama....

- Sabe, Sr. Júlio, o maior risco de libertação de mercúrio dessa restauração de amálgama de prata é precisamente aquando da sua remoção, o que pela sua radiografia nem me parece indicado, pois não tem cárie.
- Ai é?! Pois, isto realmente já aqui está faz quase 20 anos e nunca me deu qualquer problema.
- Ao invés, o tártaro que tem acumulado sobre estes dentes aqui da frente na mandíbula – vou-lhe mostrando com o espelho, ao mesmo tempo que lhe explico a doença periodontal e pego na ponta destartarizadora – é que não convém nada estar aqui.
- Sim, também queria aproveitar para fazer uma “limpeza”. Já não vinha ao dentista há algum tempo. Foi a minha mulher que me convenceu - diz o Sr. Júlio, por entre a água que não é levada pelo aspirador, ao mesmo tempo que o seu telemóvel começa a tocar na bolsinha que traz pendurada no cinto preto.
- Olhe, é ela mesmo. Dê-me só um segundo, doutor... “Estou! Estás onde? Agora não posso falar, estou no dentista“– diz, em voz alta, o Sr. Júlio enquanto derrama água e saliva no guardanapo mal preso – “Depois já ligo. Está tudo bem! Mas olha, a seguir ainda tenho de ir comprar a prenda, por isso vou chegar um bocadinho atrasado ao almoço...”

Antes dos telemóveis, de certeza que toda a gente cumpria mais com as horas combinadas e não tinha tantas distrações ou soluções para avisar a tempo. Vantagens e desvantagens dos dias de hoje.


Crónica publicada na revista Dentistry. Edição Junho 2013

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